Desvendando os mitos (e equívocos) do Natal

Quando dezembro se aproxima, com decorações nas ruas e residências, surgem também velhas histórias repetidas ano após ano. Algumas delas parecem tão naturais quanto montar a árvore ou escolher o presente ideal, mas nem todas são verdadeiras.

A tradição natalina é terreno fértil para confusões históricas e crenças que ganharam força simplesmente porque ninguém parou para questioná-las. Afinal, quem não acredita, com convicção absoluta, que a canção Jingle Bells foi composta especialmente para celebrar o Natal? Ou que existiram especificamente “três reis magos”?

Esses exemplos mostram como alguns mitos atravessam séculos e chegam até nós travestidos de verdade, sustentados mais pela repetição do que pelos fatos. Há também as narrativas que conectam o Natal diretamente a antigas festas pagãs, como a Saturnália romana, muitas vezes apresentadas como se o cristianismo tivesse apenas reembalado um festival de colheita.

Nesta reportagem, desvendamos alguns dos mitos mais resistentes que cercam o feriado. Não se trata de tirar o encanto da data, mas de entender como essas narrativas surgiram, porque sobreviveram e o que elas dizem sobre como diferentes culturas moldaram — e ainda moldam — a celebração.

1. “Jingle Bells” é uma canção natalina
Apesar de hoje ser tratada como sinônimo de Natal, “Jingle Bells” não nasceu para isso — e nem sequer fala sobre a data. A canção, escrita por James Lord Pierpont em meados da década de 1850, foi apresentada pela primeira vez em um culto dedicado ao Dia de Ação de Graças. Historiadores que investigaram sua origem apontam que a inspiração veio da rotina local: as corridas de trenós, muito populares em Medford, cidade próxima a Boston, serviram como pano de fundo para a composição. E basta olhar as estrofes menos conhecidas para perceber a distância em relação ao clima natalino. Nelas, aparece um passeio improvisado que termina em desastre. O narrador conta que decidiu sair para se divertir, acompanhado da senhorita Fannie Bright, mas o cavalo magro que puxava o trenó se chocou com uma pilha de neve, causando um estrago. Nada de renas, sinos mágicos ou ceias festivas; o que Pierpont descreveu foi a vida cotidiana do inverno americano.

2. Existiram três reis magos
A ideia de que três reis magos visitaram Jesus parece tão arraigada que muita gente nem percebe que essa versão não está na “Bíblia”. O evangelho de Mateus relata apenas que “uns magos” vieram do Oriente após o nascimento de Jesus em Belém, sem qualquer menção ao número exato. A associação com “três” pode ter surgido porque foram oferecidos três presentes — ouro, incenso e mirra — mas o texto nunca afirma quantos homens estavam ali. Podiam ser dois, meia dúzia ou uma comitiva enorme; o registro bíblico simplesmente não especifica. Também é provável que esses magos não eram reis, e sim zoroastrianos, são seguidores do zoroastrismo, uma das religiões mais antigas do mundo, fundada na Pérsia e ligada à astrologia. Assim, o episódio, que muitos imaginam tão claro, é bem mais aberto do que as tradições posteriores sugerem.

3. O Papai Noel nunca existiu
A frase “Papai Noel nunca existiu” só faz sentido se levada ao pé da letra, já que não há mesmo um morador do Polo Norte viajando pelo mundo na noite de 25 de dezembro. Mas a figura que conhecemos hoje tem raízes concretas. O personagem foi inspirado em São Nicolau, bispo do século IV, cuja história atravessou séculos até se transformar no símbolo natalino atual. Quando ele, um homem com fama de muito bondoso, servia como bispo de Mira, na região que hoje corresponde à Turquia, uma fome devastadora assolou a população e três crianças morreram em meio à crise. Comovido com a tragédia, São Nicolau teria implorado a Deus pela vida delas. Segundo a tradição, suas orações foram atendidas, e a ressurreição das crianças acabou marcada como o milagre que o tornou padroeiro dos pequenos. Dessa mistura de devoção, bondade, narrativa religiosa e memória popular, surgiu a base do Papai Noel moderno.

4. O cardápio natalino é universal
A ideia de que a ceia de Natal segue um cardápio universal não resiste a uma volta rápida pelo mapa. Embora peru, bacalhau e panetone apareçam na mesa dos brasileiros, o que se come na noite de 24 de dezembro muda bastante de país para país. No Japão, por exemplo, a tradição natalina mais popular envolve frango frito, com filas enormes em frente a uma rede de fast food. Já na Austrália, as famílias preferem churrascos ao ar livre e até mesmo frutos do mar frescos para celebrar a data com familiares e amigos íntimos. No fim das contas, a ceia de Natal não é um menu fixo, mas um espelho da cultura e dos sabores que cada povo adota para celebrar.

Aventuras na História

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