
Brasília (DF), 23/12/2025 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de assinatura do decreto que dispõe sobre o reconhecimento, a valorização e a promoção da cultura gospel como manifestação cultural nacional. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta terça-feira (23) o decreto que declara a música gospel como patrimônio brasileiro, ou seja, parte das manifestações culturais nacionais. A ação é vista como mais uma sinalização do governo ao público evangélico, grupo social com maior resistência ao presidente.
A assinatura ocorreu em cerimônia no Palácio do Planalto, com a presença de líderes religiosos, parlamentares e ministros, sobretudo os evangélicos, como o advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), e a ministra do Meio Ambiente e Combate à Mudança do Clima, Marina Silva. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), também participou da atividade.
O presidente Lula afirmou que o decreto “reafirma o compromisso do Estado com a liberdade religiosa e o diálogo”, e elencou uma série de ações realizadas nos seus governos para a valorização das expressões desse grupo social.
“Com esse espírito, sancionei o Dia Nacional da Música Gospel em 2024. Em 2009, criei o Dia Nacional da Marcha para Jesus e, em 2003, assinei a lei da liberdade religiosa. Seguimos defendendo a liberdade religiosa como valor essencial da democracia. A Constituição garante que o Estado é laico, mas isso não significa indiferença à fé. Significa um Estado que respeita todas as crenças e entende a espiritualidade como parte da experiência humana”, afirmou o presidente.
Lula disse ainda que o decreto, que reconhece a cultura gospel como manifestação da cultura nacional, “é um ato simples com uma força simbólica profunda”. “O Estado brasileiro confirma que a fé se expressa como cultura, identidade e história viva do nosso povo. Isso abre portas para a valorização e proteção da música e de todas as manifestações da cultura gospel em nossas políticas públicas, incluindo artistas e espaços comunitários. Celebramos a diversidade artística e espiritual brasileira, pois sabemos que a cultura gospel conquista cada vez mais corações no país”, declarou o presidente, que aproveitou a ocasião para sugerir o apoio dos setores evangélicos para dialogar com a sociedade sobre as prioridades do país.
“Chegamos à hora da verdade no país. Nunca vivi um período de tanto ódio e mentiras na política brasileira como o atual. Por isso, quero transformar o próximo ano no ano da verdade. Precisamos conversar com seriedade sobre o futuro e as prioridades do país”, convocou.
A dona da ideia
No discurso improvisado, Lula fez deferência à senadora Eliziane Gama (PSD-MA), de quem teria partido a ideia de transformar a música gospel em patrimônio nacional.
“No esporte, me irrita quando um jogador fica parado na área enquanto outro se esforça para roubar a bola, dribla quatro ou cinco adversários e passa para ele marcar o gol. Em vez de agradecer a quem passou a bola, o marcador corre para a torcida e esquece de quem o ajudou. Na política acontece o mesmo, pois raramente agradecemos a quem nos ajudou por acharmos que somos os melhores. Esse decreto surgiu de uma conversa com a Eliziane [Gama], que sempre aparece no meu gabinete com um papel na mão reclamando que eu demoro a recebê-la. Ela pediu para transformar a música gospel em patrimônio nacional. Eu liguei para a companheira Margareth [Menezes] para providenciarmos isso, e hoje a reivindicação da Eliziane está sendo atendida”, relatou o presidente.
Por sua vez, a senadora considerou um “dia histórico” para a valorização da cultura evangélica brasileira, ressaltando que se trata de um gênero artístico apreciado por um número considerável de brasileiros.
“O que estamos acompanhando aqui é, sobretudo, um dia histórico. Eu vejo assim, que é a valorização da cultura evangélica brasileira, que hoje representa de 30% a 40% do universo brasileiro, orando a Deus através da arte, da dança e da música, nos mais variados ritmos como samba, pagode e hip hop, como o rock, forró, o reggae, o axé que também lembra a adoração ao Senhor. Na verdade, trata se de adorar ao Senhor com os mais variados símbolos sonoros, como diz de fato a palavra do Senhor”, disse a parlamentar.
Por outro lado, Gama minimizou o fato de o presidente professar outra fé religiosa. “Eu sei que o senhor não é evangélico, mas Deus levanta homens e mulheres para abençoar o seu povo”, declarou.
Diversidade e democracia
Representando as lideranças religiosas presentes no ato, o pastor da Igreja Brasileira Marco Davi de Oliveira destacou a diversidade da cultura brasileira, o que inclui as expressões evangélicas, e disse que o decreto “ratifica a democracia” no país.
“A música popular brasileira é diversa e linda, incluindo desde Chico Buarque até João Gomes e os grupos da Bahia. A cultura gospel também é diversa e é maravilhoso perceber esse aceno do governo ao povo evangélico, ratificando a democracia no país. Vemos a cultura gospel sendo valorizada através deste decreto”, pontuou o pastor.
Já a ministra da Cultura, Margareth Menezes, afirmou que, além do caráter simbólico do decreto, a medida orienta o poder público na adoção de mecanismos de promoção dessa expressão cultural.
“O decreto estabelece diretrizes para a formação de profissionais e a inclusão da cultura gospel nos planos locais de cultura. Estamos aproximando as comunidades de fé da institucionalidade cultural. O direito à liberdade religiosa dialoga diretamente com o acesso à produção e fruição cultural. Este ato coloca o Brasil em sintonia com a valorização da potência social e econômica da fé. Celebramos esse avanço para o sistema de direitos culturais do país e fortalecemos a ideia de que a política cultural deve abraçar a pluralidade para que ninguém fique à margem”, disse a ministra.
Nilza Valéria, membro da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e produtora do podcast realizado em parceria com o Brasil de Fato Papo de Crente, destacou que a medida atende a uma reivindicação do campo evangélico e celebrou a iniciativa.
“É extremamente significativo para o mundo evangélico do Brasil. A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito celebra com muita gratidão esse decreto como um presente de Natal, pois o Natal é muito significativo para o nosso povo. Celebramos a iniciativa da senadora Eliziane de propor isso e a sensibilidade do presidente e da ministra da Cultura de receberem essa solicitação e essa reivindicação”, afirmou.
Valéria avalia que o decreto vai abrir uma gama de oportunidades para as igrejas, grupos e movimentos que trabalham com a cultura gospel, e que, segundo ela, não tinham possibilidade de se verem encaixados dentro das políticas públicas de cultura. “Passaremos a ter muitas expressões musicais e artísticas diversas que agora vão poder acessar inclusive leis de fomento e serem contempladas por elas”, apontou.
Combate à violência de gênero
Em uma breve intervenção durante a cerimônia, a primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, se referiu às mulheres, em referência ao combate à violência de gênero.
“Neste momento, as mulheres estão precisando muito não ficar sozinhas e que Deus olhe muito por elas. Então, a gente tem cantado que eu não estou sozinha e que nós não estamos sozinhas. Uma mulher nunca solta a mão de outra. Deus está olhando por nós. Amém!”
O presidente Lula também abordou o tema, e disse que assumiu a responsabilidade de “envolver todos os poderes, igrejas e sindicatos” em um movimento de enfrentamento à violência contra as mulheres.
“Pretendo usar meus 80 anos para reeducar o ser humano sobre o humanismo. A luta contra a violência doméstica e o feminicídio deve ser assumida pelos homens, pois são eles que agridem. Nos filmes, geralmente vemos o homem sendo violento contra a mulher, e precisamos mudar essa realidade”, disse o presidente.
Lula destacou que o tema deve ser discutido nas igrejas por pastores, padres e bispos, por se tratar de uma questão educacional. “Precisamos mudar o currículo escolar para que os jovens aprendam que nenhum menino é superior a uma menina. Essa educação começa em casa, combatendo a ideia de que o menino pode tudo e a menina deve ser frágil”, completou.
Editado por: Maria Teresa Cruz
